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Morte do camarada Olivier (Michel Olivier-Michel Roux)

A homenagem que se segue não pode limitar-se ao que o GIGC enquanto tal conhecia do camarada Olivier. A maior parte da sua vida militante desenrolou-se no quadro organizativo da Corrente Comunista Internacional. Tem, portanto, um duplo carácter, pessoal (pela experiência e compromisso comum que partilhou com o camarada Juan no seio da CCI e que escreveu esta homenagem) e político, que o nosso grupo faz seu.

O GIGC

Olivier, Michel Roux, por vezes Michel Olivier, Michel Roger no seu estado civil, faleceu na quarta-feira, 3 de julho de 2024. Nasceu a 5 de março de 1948. Apesar de uma batalha de dois anos que ele sabia que se tornaria cada vez mais difícil e cujo desfecho não escondia, Michel deixou-nos um pouco mais cedo do que poderíamos pensar e esperar. A sua energia, intacta, e o seu estado físico aparente, o seu dinamismo e uma espécie de serenidade quando falava explicitamente do seu fim - somos levados a crer que não se tratava de uma simples exibição - pareciam querer contradizer o prognóstico terrível dos médicos quando estes decidiram interromper o seu tratamento. A sua coragem e o seu dinamismo face ao cancro nunca deixaram de nos surpreender. Como quando foi anfitrião e presidiu à reunião pública da Tendência Comunista Internacionalista (TCI) em Paris [1], em Setembro de 2023. Tinha acabado de se submeter à última sessão de uma série de tratamentos de quimioterapia alguns dias antes e não sabia se poderia estar presente na reunião, pois tinha uma visita ao hospital nessa mesma tarde. Quando esta terminou, foi a correr para o encontro. No dia seguinte, participou numa reunião internacional do TCI e do GRI em Paris. Só ao fim da tarde é que cedeu à insistência do seu companheira e dos seus camaradas e foi para casa descansar. A doença não o alterou: Michel era uma daquelas pessoas que seguem em frente e seguem o seu próprio caminho, independentemente das circunstâncias e dos altos e baixos da vida. Se tinha dúvidas ou hesitações sobre a sua vida e o seu empenhamento comunista, que não conhecemos, escondeu-as bem de nós. Sem dúvida que só os que lhe eram mais próximos, a sua companheira Françoise, nos poderiam dizer.

Era sempre afável e, atrevemo-nos a dizê-lo, ’simpático’. Raramente perdia a calma, e mais raramente ainda estava de mau humor, como pudemos constatar ao longo das cinco décadas em que trabalhámos juntos diariamente em Paris. O mesmo se passou nos últimos dois anos. Sempre que o visitámos, respondeu de bom grado às nossas perguntas sobre a sua saúde. Respondia-lhes directa e francamente, à sua imagem. Porque era direto e franco, correndo por vezes o risco de ofender. Mas toda a gente se apercebeu rapidamente de que não havia malícia nem agressividade nas suas palavras. Eram claras, directas e sem rodeios. Sem dúvida que respondia a perguntas sobre a sua saúde como se estivesse a aceitar essa ’tarefa obrigatória’, para ser simpático connosco. Mas rapidamente mudou de assunto e partilhou connosco as suas reflexões sobre a situação, o futuro e os desafios do campo proletário no seu conjunto e, sobretudo, sobre os numerosos projectos que tinha, em particular sobre as obras históricas sobre a esquerda comunista que eram a sua paixão. As suas obras sob o pseudónimo de Michel Olivier, ou Michel Roger, sobre a Esquerda comunista em França, sobre a Esquerda em Itália, sobre a Esquerda na Rússia, Le Groupe ouvrier de G. Miasnikov ou La Gauche bolchevique et le pouvoir ouvrier, e mais recentemente sobre a Esquerda na Turquia, Du socialisme ottoman au communisme de gauche, são numerosas, assim como a sua participação destacada em várias brochuras da CCI sobre a esquerda comunista. Mas mais do que a sua dimensão ’historiadora’, mesmo se ele considerava, com razão, a sua obra como fundamentalmente militante, preferimos destacar o ’Michel militante da organização comunista’.

A greve maciça de Maio de 1968 determina o caminho que pretende seguir. Enquanto estudante em Toulouse e membro do Comité de Acção da Faculdade de Direito e Economia (os CA foram criados na maioria das universidades), conhece o núcleo inicial da Révolution internationale (RI), um grupo formado no final de Junho de 1968 em torno de Raoul Victor (RV). [2] Desde as reuniões do Comité de Acção até à sua dissolução, na Primavera de 1969, participou nas reuniões do grupo RI, que não passava ainda de um círculo militante com uma estrutura mais ou menos formal, mas que viria a tornar-se a principal formação da Corrente Comunista Internacional (CCI). Aderiu então ao que era ainda apenas um círculo militante, embora muito activo e dinâmico, com um funcionamento mais ou menos informal. Depois de terminar os estudos, ’subiu’ para Paris em 1972, onde, em torno de Marc Chirik e Mousso, antigos membros da Gauche Communiste de France (GCF), um núcleo inicial de militantes rapidamente estabeleceu e desenvolveu a presença da RI como um verdadeiro grupo comunista. Participou activamente e com entusiasmo. Foi assim que, na nossa presença no Inverno passado, ele descreveu a sua carreira a um jovem militante americano do TCI: "Se deixei Toulouse, embora pudesse muito bem ter trabalhado lá e ficado perto da minha família e da da minha companheira, e se fui para Paris, foi por razões políticas e pela importância central da região parisiense. O RI tinha acabado de criar um grupo em Paris e era uma questão de me envolver e construir uma verdadeira organização." [3] 

Foi militante do RI e do CCI até Março de 2002, data da expulsão de todos os membros da Fracção Interna do CCI (FICCI). Durante estas três décadas, foi membro do Secretariado Executivo (SE) da secção francesa do CCI, depois seu delegado no Secretariado Internacional (SI) até à crise organizativa de 2001. Durante todos esses anos, a par da sua investigação e do seu trabalho histórico, por vezes mesmo em detrimento deles [4], como nos confidenciou após a nossa expulsão do CCI, foi um dos principais impulsionadores, juntamente com Jonas-Jacky Mamane [5], pela construção e desenvolvimento das RI no secretariado do órgão central da secção (SE) em França. Após a crise organizativa de 1995 e o enfraquecimento numérico e político do Secretariado Internacional da CCI, os dois, Michel e Jacky, Olivier e Jonas pelos seus pseudónimos, foram nomeados e integrados na SI. Apesar da sua participação ativa e do seu rigor organizativo, bem como do reforço político que a sua presença por si só representava, não conseguiram ajudar a SI no seu conjunto a ultrapassar as suas disfunções internas e os seus hábitos de círculo. Não foi capaz de contrariar as manobras de bastidores e as manipulações psicológicas efectuadas no seu seio e em Paris por aqueles que, nos bastidores, pretendiam eliminar a ’velha guarda’ da CCI e introduzir definitivamente as teorias destrutivas da decomposição, do parasitismo e do clanismo - esta última como explicação fundamental para as crises organizacionais do movimento operário. Tanto Olivier como Jonas ainda tinham um sabor amargo da crise de 1995, na qual tinham desempenhado um papel importante, com a sensação, como nos tinham dito separadamente e em diferentes ocasiões nos anos 90, antes da crise de 2001, de ’terem ido longe demais’, de terem sido tendenciosos e de se terem deixado conduzir e manipular em ’nome da defesa da organização’. Foi precisamente durante esta crise de 1995 que a teoria do clanismo foi introduzida no CCI. Incapazes de a contestar, permaneceram, como todo o órgão central internacional do CCI, o seu secretariado e o seu Bureau Internacional, como toda a CCI, como todos nós, é prisioneira da teoria oportunista do clanismo, reduzindo as divergências políticas a questões de amizade ou inimizade pessoal e de psicologia individual.

Não voltaremos aqui à crise de 2001, que viu a exclusão - em nome do seu suposto clanismo ’odioso’ - de todos os membros da Fracção Interna da CCI (FICCI), da qual Michel fazia parte. Os leitores interessados podem consultar a História da SI, que traça a génese da crise e o seu percurso final. [6] Todos nós fomos atingidos e afectados pelas nossas exclusões e, sobretudo, pelas condições escandalosas em que foram efectuadas, bem como pelas nossas denúncias públicas por parte da CCI [7]. A sua personalidade franca, directa e profundamente honesta não podia compreender e não podia suportar que tais infâmias lhe fossem atiradas à cara, ainda menos publicamente. E menos ainda que dezenas de camaradas o insultassem e rejeitassem de um dia para o outro, ignorando décadas de luta comum e de fraternidade militante.

Muito rapidamente, em 2003, deixou de se reconhecer, ou apenas com dificuldade, na abordagem organizativa que a FICCI tinha adoptado. Considerava-se uma ’fracção da CCI’ e pretendia travar simultaneamente uma batalha ’organizativa’ - mesmo que excluída - e uma batalha de defesa dos princípios e das realizações da ICC ’histórica’. Para ele, era necessário questionar directamente uma grande parte da experiência da CCI e deixar de se sentir limitado por uma abordagem e um método organizacionais que obrigavam os militantes a referir-se ao programa e às posições da organização - neste caso, a plataforma e as posições da CCI. Abandonou a fracção. É de salientar que mantivemos relações fraternas e cordiais. As suas primeiras obras históricas, às quais pôde então dedicar-se sem restricções ’militantes’ ou organizacionais, puseram-no em contacto com o meio que rodeava as Edições Smolny. Composto maioritariamente por antigos membros de grupos da esquerda comunista, em particular da CCI, podemos considerar que este meio se situa sobretudo no terreno político e militante do conselhismo e do individualismo. O prefácio do livro de Smolny sobre a revista Kommunist de 1918 da facção Bukharin, que escreveu em 2011 com Marcel Roelands (Controverses), cedeu às críticas tradicionais do conselhismo sobre a Revolução Russa e o partido bolchevique, nomeadamente ao retomar a posição da Kommunist contra a assinatura da paz de Brest-Litovsk em 1918. [8]

Com abordagens políticas diferentes e diferenças políticas incipientes, pensámos, sejamos francos, que os nossos caminhos políticos se iriam separar para sempre. Mas não foi assim. As ambições individuais mesquinhas que lhe eram totalmente estranhas e as manobras mesquinhas que as acompanhavam afastaram-no rapidamente desse meio. Michel, que tinha permanecido em contacto com a Tendance Communiste Internationaliste (TCI) e connosco, aproximou-se então dela. Embora caiba à TCI reconstituir melhor o percurso de Michel no seu seio, podemos dizer que ele foi responsável pela publicação da revista Bilan et Perspectives, sozinho, durante vários anos. Depois, como membro da TCI, iniciou a formação do núcleo da TCI em França, o que levou à formação do Groupe Révolutionnaire Internationaliste. [9]

Esta homenagem a Michel não estaria completa se não mencionássemos outros aspectos da sua pessoa. É difícil, porque ele era discreto no que respeita à sua vida pessoal. Gostava de ópera e era um apaixonado pela história. Quando regressava dos encontros em Paris, acompanhava no seu carro os camaradas de outros países e gostava de contar a história dos monumentos parisienses que encontrávamos, nomeadamente a da Torre do Relógio do Palácio da Cidade. Sabemos que muitos dos seus camaradas recorriam a ele e à sua companheira Françoise, ambos licenciados em Direito, para os ajudar a resolver problemas administrativos ou jurídicos. Estavam sempre disponíveis para dar conselhos e orientações. Quando se reformou, fez voluntariado ’como defensor dos direitos’ nos subúrbios parisienses de Seine Saint-Denis, para ajudar pessoas em dificuldades, imigrantes e indigentes, a fazer valer os seus ’direitos’. A sua voz clara e forte - poder-se-ia dizer estentórica - e o traço de sotaque do sudoeste que ele teve a sorte de perserverar longamente na nossa memória.

Já sentimos a falta da sua energia e do seu entusiasmo.

Os leitores habituados a ler-nos saberão que defendemos o anonimato do militante comunista, que só pode ’realizar-se’ num quadro colectivo organizado. Quando um militante comunista desaparece, é habitual declarar que ’continuamos a sua luta’. Mas Michel é um caso especial: o trabalho histórico que realizou foi, por assim dizer, o seu próprio trabalho. Nesse sentido, trouxe algo de específico ao movimento operário, ao qual o seu nome permanecerá ligado. Sabemos que ele estava justificadamente orgulhoso e feliz por esse facto.

Manifestamos a nossa solidariedade para com os camaradas do Grupo Revolucionário Internacionalista e da Tendência Comunista Internacionalista, para os quais tanto contribuiu nos últimos anos. Para o autor destas linhas, chegaram ao fim cinco décadas de lutas comuns, por vezes duras e dolorosas, sobretudo a partir de 2001, por vezes felizes e inspiradoras. Era discreto e modesto, mas penso que posso dizer que também nos tornámos amigos.

Infelizmente, estendemos a nossa amizade e o nosso apoio à sua companheira de toda a vida, Françoise, e à sua família.

6 de Julho de 2024, Juan para o GIGC

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Notes:

[1. cf. Révolution ou guerre #26, Reunião Pública de Balanço e Perspectivas em Paris : https://www.igcl.org/Reunion-publique-de-Bilan-et

[2. Membro do Internacionalismo, fundado por Marc Chirik na Venezuela, que tinha vindo estudar para França, RV começou a reunir um círculo à sua volta antes de Maio de 1968. Este círculo cresceu e esteve particularmente activo durante o mês de Maio de 1968 nas assembleias de operários e de estudantes, e foi uma figura central no Comité de Acção da Faculdade de Direito e na coordenação dos CAs, que continuaram no ano seguinte.

[3. Para uma descrição pormenorizada dos primórdios da Révolution internationale e do processo de reagrupamento que teve lugar durante e após 1968, os leitores podem consultar a apresentação que o próprio Olivier-Michel escreveu para o site Fragments d’histoire de la gauche radicale (https://archivesautonomies.org/spip.php?article5138). Menciona um certo Sr. Rx que não é outro senão o próprio Michel...

[4. Como membro da SE e da SI, Olivier-Michel foi o camarada que participou no maior número de reuniões regulares da CCI. Durante toda a década de 90, Olivier-Michel teve de participar e participou nas reuniões semanais da secção de Paris, da SE e da SI. Por outras palavras, três reuniões por semana, a que se junta uma reunião mensal da SI ’alargada’ aos membros europeus do Bureau Internacional, as reuniões trimestrais da Comissão Executiva do RI e as dos plenários dos IB, que alternavam com os congressos anuais do RI e do CCI. A estas numerosas reuniões juntavam-se as deslocações e delegações a várias secções locais e territoriais para os seus congressos ou assembleias gerais. Este ritmo frenético de reuniões ao longo dos anos, ao qual uma grande parte dos militantes, especialmente os dos órgãos centrais, também estava sujeita, numa altura em que o proletariado fazia pouco, muito pouco, explica certamente, em parte, as dificuldades de reflexão e a falta de energia e de entusiasmo militante que afectaram cada vez mais o CCI e os seus militantes nesses anos, ao ponto de os encontrar ’politicamente’ esgotados e apáticos durante a crise de 2001 e o questionamento descarado dos princípios organizacionais que a acompanhou.

[7. ’Polícias, gangsters, ladrões, bandidos, canalhas, nazis, estalinistas...’, guiados ’pelo seu ódio de clã e satânico...’. A lista é longa e não a estamos a inventar.

[8. O leitor pode ler a crítica a este prefácio que a Fracção da Esquerda Comunista Internacional (FGCI), continuação da FICCI, publicou no seu Boletim Comunista nº 7: La défense du caractère prolétarien de la Révolution russe est toujours une frontière de classe (https://fractioncommuniste.org/fra/bci07/bci07_5.php).

[9. cf. a nossa saudação ao renascimento da revista B&P em Révolution ou guerre #23 (https://igcl.org/Bilan-et-perspectives-21-renouveau ) e o anúncio da constituição do GRI nas páginas do TCI: (https://www.leftcom.org/fr/articles/2023-10-07/naissance-du-groupe-r%C3%A9volutionnaire-internationaliste).