Revolução ou guerra n°28

(Setembro de 2024)

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Editorial da « Revolutionary Perspectives » (CWO-TCI)

Concordamos com a maior parte do teor político do editorial da revista Revolutionary Perspectives (RP) 24 da Communist Workers Organization/Organização Comunista Operária, o grupo da Tendência Comunista Internacionalista na Grã-Bretanha. Parte deste texto introduz o número da revista e pode parecer inadequado nas nossas colunas. Mas, de passagem, vale a pena chamar a atenção para o conteúdo deste número da RP.

Acima de tudo, parece-nos inútil elaborar tomadas de posição que defendam a mesma análise e compreensão globais da situação histórica actual e as mesmas orientações políticas que as apresentadas pelos camaradas neste editorial. O antagonismo entre a burguesia e o proletariado, a luta de classes internacional, materializa-se cada vez mais, directa e indirectamente, nos ataques da primeira contra o segundo, na preparação e no caminho para a guerra imperialista generalizada. A classe capitalista confirma dia após dia que pretende impor ao proletariado internacional - e às populações em geral - sacrifícios e mobilizações para a guerra em todos os países. Neste período dramático, há ainda menos espaço para interesses sectários no seio do campo proletário. Se a nossa adopção deste artigo puder promover e alargar a sua leitura, tanto melhor. E se, como bónus, der uma imagem positiva, não sectária, dinâmica e unitária da Esquerda comunista, o que pode parecer um “desvanecimento” ou um afastamento do nosso grupo será, na realidade, apenas um momento... na luta pelo partido de amanhã. Esta é outra orientação fundamental que temos em comum com a CWO e a TCI, na consciência de que “mais do que nunca, precisamos de uma força política internacional credível para unir a classe em torno de um programa claro”’.

Ao editorial de Perspectivas Revolucionárias seguem-se duas declarações nossas sobre as situações políticas nacionais ilustradas pelo resultado das eleições legislativas francesas de Julho passado e pela campanha presidencial nos Estados Unidos.

« Era de caos » ou aprofundamento da crise capitalista ? (CWO)

Desde que começámos a preparar esta edição, os mísseis russos atingiram um hospital pediátrico e as bombas israelitas destruíram outra escola da UNRWA, desta vez em Nu seirat, na Faixa de Gaza; as notícias recordam-nos que, neste ano de distração eleitoral, a guerra continua a devastar vidas em pelo menos cinquenta países em todo o mundo. Estas guerras não têm tanta cobertura em horário nobre como o “moedor de carne” da Ucrânia ou a devastação de Gaza, mas trazem a mesma quantidade de miséria aos que estão na linha de fogo. No Sudão, por exemplo, a guerra entre as facções no poder, que começou há 15 meses, está a decorrer com o apoio das potências imperialistas locais e mundiais. Ninguém sabe o número real de mortos (bem mais de 15.000), mas os cemitérios já estão cheios. Aqui, os serviços humanitários particularmente visados são os centros de saúde.

Segundo a OMS, 60 ataques em poucos meses puseram 70% dos serviços de saúde fora de acção. A guerra imperialista total não considera nenhum “dano colateral”. É uma batalha feroz em que a aniquilação do “outro” em termos de capital constante e variável é o objectivo do exercício. Como afirmou o Secretário-Geral das Nações Unidas em Fevereiro último, o mundo está a entrar numa “era de caos”, em que a guerra é “uma guerra perigosa e imprevisível de cada um por si, com total impunidade”. Chegou mesmo a afirmar que, ao contrário da Guerra Fria, quando “mecanismos bem estabelecidos permitiam gerir as relações entre as superpotências”, esses mecanismos não existem “no mundo multipolar de hoje”. A sua constatação é incontestável, mas a sua solução resume-se, evidentemente, a propor tornar a ONU mais eficaz, ignorando o facto de que, longe de ser um fórum de paz, sempre foi mais um fórum de expressão das rivalidades inter-imperialistas. Para compreender a actual deriva para uma guerra mais generalizada, temos de olhar para outro lado.

Trata-se de ir à base material da sociedade, o que implica uma análise aprofundada da situação económica. Isto significa ir um pouco mais longe do que o Secretário-Geral das Nações Unidas. Na Guerra Fria a que ele se refere, não foi o “equilíbrio nuclear” que impediu uma guerra mundial. O ponto fundamental foi o facto de as duas potências dominantes que emergiram da Segunda Guerra Mundial estarem satisfeitas com o status quo. Além disso, a guerra tinha destruído tanto valor que foi seguida pelo maior boom da história do capitalismo. As duas superpotências tinham mais a perder do que a ganhar numa guerra total. Foi o fim deste boom, no início dos anos 70, e o aumento da resistência da classe operária às tentativas dos Estados capitalistas de todo o mundo para nos fazerem pagar a crise, que deu origem a organizações como a CWO. Desde a nossa criação, há quase cinquenta anos, temos tentado compreender a base material de todas as mudanças e alterações no desenvolvimento capitalista e a mais recente contribuição a este respeito é a quinta parte da nossa série sobre os Fundamentos Económicos do Capitalismo, nesta edição.

Isto explica não só porque é que a globalização aconteceu, mas também o que significou para a classe operária mundial neste processo. As velhas grandes fábricas da era “fordista” no mundo capitalista “avançado” foram substituídas por unidades mais pequenas, uma vez que até os monopólios sub-contratam os seus serviços a empresas auxiliares. Esta nova composição de classes significou maiores desafios para os revolucionários. Algumas teorias foram ultrapassadas pelos acontecimentos. A ideia dos sindicalistas e dos comunistas de conselho de que os trabalhadores podem destruir o Estado capitalista e a sua ordem social simplesmente assumindo o controlo das suas unidades de produção perdeu força, como mostramos no nosso artigo sobre Anton Pannekoek. No entanto, Pannekoek tinha razão numa coisa: a chave para a libertação da classe operária está na sua consciência. O capitalismo não será vencido apenas pela combatividade, por mais forte que ela seja. O derrube do capitalismo e o lançamento das bases de um novo mundo comunista só podem ser alcançados através da acção consciente de milhões de trabalhadores em todo o mundo. Mais do que nunca, isto significa que precisamos de uma força política internacional credível para unir a classe em torno de um programa claro.

Dadas as ameaças à existência humana colocadas pela contínua destruição do ambiente pelo capitalismo e a perspetiva de uma guerra imperialista generalizada emergir de qualquer das guerras que estão a ser travadas no planeta actualmente, esta necessidade é mais urgente do que nunca. Pannekoek viveu os desastres da Segunda e da Terceira Internacionais, que acabaram por trair a classe operária. No período contra-revolucionário dos anos 30, com a fossilização de um “marxismo” capitalista de Estado pelo regime estalinista da URSS, ele passou a considerar o “partido” como um travão ao desenvolvimento da consciência de classe revolucionária e a confiar cada vez mais na “espontaneidade”. Estava consciente de que a luta elementar da classe operária devia implicar o desenvolvimento de ideias revolucionárias, mas não explicava como é que estas podiam ser preservadas ao longo do tempo. Considerava também que os conselhos (sovietes) não eram em si mesmos mais do que locais de luta de ideias, mesmo que estas fossem muitas vezes encarnadas por partidos, mas não via o partido como uma emanação colectiva da consciência dos próprios operários antes da revolução. Hoje podemos ver que um corpo político internacional organizado com um programa revolucionário claro baseado nos ganhos da história da luta da classe operária é um factor essencial na luta para derrubar o sistema. Não estamos a falar aqui de um partido que aspire a governar (essa é a tarefa dos conselhos: a forma historicamente descoberta pelos trabalhadores russos de como dirigir uma sociedade de massas garantindo a máxima participação de todos os seus membros). Estamos a falar aqui de uma Internacional capaz de enfrentar não só os falsos amigos dos trabalhadores que vendem as ideologias reaccionárias do estalinismo e da social-democracia (agora abraçadas por muitos trotskistas), mas também os novos perigos políticos que surgirão para desviar e minar a luta independente da classe operária. É dentro deste quadro que estamos prontos a cooperar na construção da resistência dos operários à guerra, rejeitando em primeiro lugar o nacionalismo e envolvendo-nos com todos aqueles que reconhecem que a classe operária, que produz a riqueza das nações em todo o mundo, é a única força mundial que tem o potencial de parar o impulso imperialista para a guerra mundial. Mesmo antes da invasão russa da Ucrânia, sabíamos que esta não seria uma tarefa fácil. A identificação com a nação sempre foi uma opção fácil para os capitalistas e, nesse sentido, os preparativos para uma guerra mais alargada já estão bem avançados. Parte da preparação é ideológica, como demonstraram as recentes eleições na UE, no Reino Unido e em França, onde a “escolha” colocada aos eleitores foi a melhor forma de intensificar os preparativos militares e impedir a imigração de vítimas da guerra e da crise económica de todo o mundo, trazendo os seus “valores estrangeiros”. O papel da política de identidade foi mais evidente do que nunca nestas eleições. Em França, a ascensão do Rassemblement National deu luz verde a ataques racistas contra cidadãos franceses do Norte de África e de outras antigas colónias francesas. Hoje, o partido de Le Pen, que já foi tão anti-semita que considerava o Holocausto “um pormenor da história”, está ao lado de Israel como companheiro de luta contra o islamismo. No Reino Unido, em círculos eleitorais como Batley e Dewsbury, os apoiantes da causa nacional palestiniana foram eleitos por eleitores muçulmanos, enquanto milhares de pessoas brancas da classe operária se voltaram para o partido racista Reform Par ty. Esta polarização é o produto de uma crise capitalista com décadas de existência, o que significa que quase metade dos adultos britânicos - 20,3 milhões de pessoas - estão agora a viver o dia a dia, a crédito, para sobreviver. Na sexta nação capitalista mais rica do planeta, quase 3 milhões de pessoas recorrem regularmente aos bancos alimentares. Em todos os países ricos da OCDE, os salários reais baixaram desde 2021, o que se vem juntar ao longo declínio dos salários em percentagem do PIB desde 1979. Nestas circunstâncias, não é imediatamente óbvio para os trabalhadores que a sua miserável qualidade de vida se deve a uma abstracção como o “sistema capitalista”. É fácil e barato culpar os imigrantes, os muçulmanos, os judeus ou qualquer outra pessoa que possa ser transformada em bode expiatório.

Mas esse não é o nosso único problema na construção de um movimento de classe. Há também as divisões no movimento revolucionário que 100 anos de contra-revolução produziram, como mostra o nosso artigo sobre Pannekoek. Isto não só produz falsos internacionalistas ou internacionalistas a tempo parcial, como os estalinistas, que usarão o “derrotismo revolucionário” como cobertura para apoiar a Rússia na Ucrânia, mas também deixou um legado de suspeição entre os revolucionários, que consideram todas as tentativas de organização política como “extorsões” (como Jacques Camatte). Outros simplesmente não vêem a gravidade da situação actual, mesmo quando adoptam posições internacionalistas correctas. Na reunião de Arezzo, todas as outras delegações afirmaram que as nossas preocupações com a guerra generalizada eram exageradas ou que “a classe operária evita a guerra”. Em Praga, a principal diferença era entre aqueles (principalmente anarquistas, há que dizê-lo) que defendiam que a acção exemplar (“propaganda por actos”, no século XIX) era a forma de combater o militarismo e aqueles (como nós) que defendiam que só a classe operária em geral, para além das minorias revolucionárias, poderia parar a guerra parando o capitalismo. O nosso trabalho deve ser o de difundir a propaganda sobre o ponto exacto para onde o capitalismo nos está a levar, o que significa construir um movimento suficientemente amplo para chegar ao resto da classe operária. É neste espírito e com esta motivação que nos juntámos a outros nos comités No War But Class War [NWBCW] para construir uma base para uma resistência de classe mais ampla. Foi com este espírito que também participámos no encontro internacional em Praga, discutido nesta edição, bem como no encontro mais pequeno em Arezzo.

E a título de advertência contra aqueles que promovem politiquices em vez de trabalhar para as massas da classe, traduzimos um artigo de Onorato Damen sobre o assassinato de Giacomo Matteotti por ocasião do seu centésimo aniversário - um assassinato que levou a uma crise política e à tomada de Itália pelos fascistas. O Partido Comunista de Itália, com Gramsci então instalado como seu líder pelo Comintern, afastou-se do movimento de classe então em ebulição em toda a península, em favor de manobras parlamentares com os sociais-democratas e liberais na farsa da “Secessão do Aventino”. Isto permitiu a Mussolini sobreviver a meses de crise e declarar finalmente a ditadura em Janeiro de 1925.

Organização Comunista Operária/ Communist Workers’ Organisation, julho de 2024

Fonte : Révolution ou Guerre # 28 – Groupe International de la Gauche Communiste (www.igcl.org )

Este artigo foi traduzido para Língua Portuguesa por Luis Júdice

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